O (Diaman)TINO do
coração
“Não tens nada
na cabeça” afirmam as manas maléficas (aterradoras Anabela e Margarida Moreira)
de Diamantino (inesquecível e irrepreensível Carloto Cotta) no filme "Diamantino" de 2018. Na
realidade, o mais famoso e quási-Miguel Ângelo dos relvados pouco mais tem do
que lugares de infância remotos: os famigerados “cachorrinhos felpudos” em cenários
entre o roxo e o rosa a avançar no campo como se pudéssemos sentir a doçura de
algodão, bem como um coração cheio de amor verdadeiro a transbordar. Primeiro, amor por um “fugiadinho”, depois por Aisha (camaleónica Cleo Tavares)
e finalmente um triunfante amor por si mesmo. Não será, pois, esse o mais
importante e profundo tipo de amor? Replicando e transmitindo em espelho a grande lição que
o seu próprio pai na primeira parte do filme lhe transmite de forma premente – o lema de acreditar em si próprio?
Trailer de "Diamantino"
Nesta
acepção, Diamantino ganha uma dimensão quase religiosa e profunda, apesar de ser leve
e espirituoso – as palavras iniciais remontam para a arte das catedrais,
agora transmutadas para imponentes estádios de futebol onde a grande religião já
não é feita com Deus, mas com o esférico sobre a relva, através da exteriorização
(sinais dos tempos). É neste cenário que surge Diamantino, jovial e inocente, a
executar autêntico “religare”, no sentido de interioridade, (des)conectado e
quase isolado do mundo exterior – e não é isso que, acaba por ser a sua salvação, afinal? Esse herói naif, essa criança interior intacta, virginal,
apesar do corpo escultural e materialista (veja-se o seu carro potente, mas em
simultâneo a sua casa antiga e o dinossauro no tecto do quarto de Rahim, em notório
anacronismo e concretização em duplicidade de ancestralidade e actualidade).
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| Diamantino |
Diamantino é
um diamante em bruto e como pedra preciosa que é, demonstra uma personalidade
de génio, sendo cobiçado(a) e aquando da análise do seu cérebro pela Dra.
Lamborghini (Carla Maciel), os seus níveis de compaixão são notórios. Não haverá
aqui um claro alinhamento, vulgo bom coração? Nas palavras de Gabriel Abrantes
(um dos realizadores) na ante-estreia do filme em Lisboa no cinema Monumental: era
importante retratar a afectividade notória na personagem de Diamantino e a sua
simplicidade e entre gargalhadas profundas em cenas aparentemente superficiais,
encontramos talvez o verdadeiro segredo do génio de Diamantino: a sensibilidade,
sobretudo a sensibilidade do momento ou não fizesse ele “cara de peixe” para a
fotografia, entre beijinhos à esquimó, bongos e crepes com nutella e carícias
ao gato Piruças.
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| Diamantino e Rahim/Aisha |
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| Diamantino |
Se “Diamantino”
começa por satirizar o mundo cansativo das celebridades que usam o virtue-signaling
a seu bel-prazer, mas transmutado numa credulidade genuína do personagem principal
na adopção de crianças por caridade para expurgar os pecados de uma vida de
luxos e ostentação, numa segunda análise permite perceber a verdadeira dimensão
do amor verdadeiro e, em primeira mão, derrubar muros em simultâneo.
Entre
bizarrias e o redimensionar literal do “seio paterno”, a desconstrução do masculino
e do feminino em dança de hormonas induzida, resultado de experiências tresloucadas do Ministério
do Desporto, em contexto neo-fascista, Diamantino Matamouros enverga,
manipulado, o nacionalismo de uma realidade paralela, obediente a uma teoria quântica,
delirante e cómica, simultaneamente trágica, notória na sua solidão e violência
por parte das irmãs até à chegada de Rahim/Aisha e de uma “segunda oportunidade”.
Entrevista ao elenco por Herman José
Com banda
sonora curiosa e um pouco "esquizofrénica", “Diamantino” vai desde Donna Lewis a
sonoridades de filmes presentes em filmes como “The New World” de Terence
Malick ou “The Brown Bunny” de Vincent Gallo, entre outras, misturando diversos
géneros cinematográficos de forma hábil, fazendo lembrar atmosferas como “James
Bond”, “Star Wars”, “Planeta dos Macacos” entre outros.
Uma comédia
que nos faz soltar sonoras gargalhadas, que nos leva para “dentro” e que nos
revela pura e simplesmente, de forma original, que o amor salva sempre...
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| Cartaz (Portugal) |




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