Afonso Laginha, actor, 19 anos, protagonista da série "Cavsa Própria" (realizada por João Nuno Pinto), actualmente em exibição na RTP (o último episódio é já no próximo dia 16 de Fevereiro pelas 21h00) aceitou gentilmente o convite para uma entrevista ao Cinelusoculto.
A partir de Londres - onde estuda actualmente "Acting" há cerca de um semestre - estabeleceu-se uma conversa informal que se estendeu por quase três horas, plena de simplicidade, humildade e generosidade e, por conseguinte, humanidade.
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| Afonso Laginha |
Falou-se de (quase) tudo, sem perguntas preparadas ao "som" de sorrisos, falhas de bateria e frescura.
Se o pretexto era a série (sobre a qual reflectiremos em detalhe após a exibição do último episódio), o texto tornou-se Afonso: o actor, a sua promissora carreira e ainda o teenager em plena crise saudável pela "chegada aos 20" ainda este ano.
Num universo paralelo, Afonso teria ido para "Programação", não nos espantemos. Mas tudo se precipitou para a actuação e por mérito próprio. Tudo começou no Liceu Camões e na sua revelação a Patrícia Vasconcelos o que desaguou no casting para "Cavsa Própria". "A arte salvou-me a vida", afirma de forma descontraída o rapaz magnético que enche o pequeno ecrã com o olhar paradoxalmente aquático, leve e pesado, dando corpo a David. David não se revelou personagem fácil e, na realidade, Afonso escreveu variados cadernos para composição de personagem e filmou cerca de 30 dias do total de 48 de rodagem.
Explicou-nos a sua opinião no que diz respeito à valorização do seu trabalho e de toda a equipa e revelou que, na sua perspectiva, para o tipo de orçamento que as produções portuguesas reunem, o trabalho que se consegue em tempo record é impressionante, inclusivamente com qualidade cinematográfica. Acabou por ser muito orgânica a nossa concordância na infelicidade de algumas críticas menos construtivas e de um certo estigma que ainda existe em relação à produção nacional. Mas todo esse aspecto se tornou secundário perante as progressivas revelações de vida e carreira de Afonso.
Sem ordem em especial, procuraremos fazer um apanhado do que foi discutido e revelado.
Uma das perguntas seminais foi, sem dúvida, o realizador da vida de Afonso: nada mais nada menos que Paul Thomas Anderson (Punch-Drunk Love no topo). Afonso justificou-se de forma concisa "não tem um único filme mau" e automaticamente tudo se precipitou para um tema de conversa recorrente, mas nada despiciendo: sonhos. Obviamente que trabalhar com P. T. Anderson é um sonho, mas o sonho primordial é ganhar o primeiro Óscar para Portugal na categoria de melhor actor ou melhor actor secundário, sendo que, uma vez mais, partilhámos visões semelhantes: talvez a de actor secundário fosse "match made in Heaven".
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| Afonso Laginha |
Afonso acha demasiado marcantes os actores que, com a sua ausência ou com presenças intensas, mas curtas, acabam por ser o pano de fundo de um filme (veja-se Brad Pitt em "Once Upon a Time in Hollywood" de Quentin Tarantino). O que mais nos surpreendeu neste jovem actor foi o enraizamento com que falou do seu sonho: "Quero representar e colocar Portugal em termos culturais num lugar reconhecido mundialmente de forma distinta e valorizar as minhas raízes". Tudo sempre com a maior das humildades, cabeça no lugar e pés devidamente no chão, mas com todo o foco num objectivo que se pretende uma maratona (preferencialmente antes dos 30 anos) e não um sprint. Sediado em Londres actualmente, a sua cidade de eleição continua a ser Lisboa, ainda que em termos de hospitalidade Londres esteja "entre Lisboa e Porto". Mas Londres é o coração da produção e criatividade mundiais, sendo que Afonso aprecia a dimensão da cidade e sabe exactamente o quer: dedicar-se ao que mais gosta sem ilusão e sempre com paixão e trabalho.
No entanto, obviamente que em Portugal tem os seus realizadores de eleição: Marco Martins, João Nuno Pinto, Manuel Pureza, Tiago Guedes, entre outros.
A versatilidade de Afonso é de assinalar, não só mental, mas também física: é um jovem que consegue ser excêntrico, sendo clássico. E assim pretende fazer o mesmo na sua carreira. Desde que o projecto lhe interesse, tenha qualidade ou até seja arrojado (quem nunca sonhou com uma produção A24 atire a primeira pedra) Afonso aceitará, desde que, no fundo, lhe faça sentido. Até uma comédia romântica ao estilo de "Doidos por Mary" seria um "sim redondo", bem como um sonho entre o inocente e lascivo de ser capa da GQ, destacando em especial uma espantosa produção de Robert Pattinson, também um dos seus actores favoritos, juntamente com Adam Sandler, Philip Seymour Hoffman, Daniel Day-Lewis, Andrew Garfield, Jim Carrey, Samuel L. Jackson, Christian Bale, William Dafoe ou Joaquin Phoenix.
As gargalhadas foram impossíveis de controlar quando surgiu, confessou Afonso, mais uma vez a "comparação a Timothée Chalamet", sendo que isso é um elogio e não é, pois Afonso tem perfeita noção que é simplesmente "ele próprio". No entanto, confidenciou-nos que em Londres havia convencido alguém de que era realmente Timothée.
Cinema é, definitivamente a sua maior paixão, mas em teatro a sua força motriz será sempre, nas suas próprias palavras, "o desafio".
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| Afonso Laginha |
Relativamente a referências invariavelmente destacou vários dos actores do elenco de "Cavsa Própria" reflectindo sobre o privilégio de poder contracenar com muitos dos seus ídolos ( Ivo Canelas, Margarida Vila-Nova, Nuno Lopes, Gonçalo Waddington, Maria Rueff só para nomear alguns) e jovens actores também, mas deve um especial agradecimento nada mais nada menos à actriz que dispensa apresentações: Beatriz Batarda pelo suporte e conselhos. O respeito, a diversão e o prazer reinaram na rodagem e Afonso confirmou a química que se faz sentir no ecrã, afirmando que "isso nem sempre acontece".
Afonso revelou ainda, em plena conversa, a sua aptidão por muitos desconhecida para as imitações (nomeadamente uma imitação exímia da personagem do "Chato" de Nuno Lopes) e para a comédia - o que se tornou surpreendente, fresco e divertido, tendo em conta a carga dramática que a personagem David comporta. Digamos que Afonso é um actor completo, sempre com a noção que está a aprender e a beber de tudo e todos. "Sim, acho que tenho a cabeça no lugar e isso é uma vantagem", apesar de nos ter confessado (o que nos deixou enternecidos pela consciência e maturidade) que quando iniciou "Cavsa Própria" o seu ego elevou-se um pouco, mas que, depois, conseguiu lidar com a situação e recentrar-se.
Falou-se de limites: nunca fará pornografia.
Num projecto de composição de personagem numa produção comum gostaria de sentir, no entanto, a ultrapassagem do limite no envolvimento com a composição de personagem. No entanto, sem entrar em processos de auto-destruição. É simbólico que Afonso represente uma ideia pessoal e profissional de masculinidade saudável, apesar de nos ter revelado que fez um casting para uma personagem intragável quase pedindo desculpa. Mas obviamente que se sente fascinado por vilões e até filmes de terror (destaca "Hereditary") - não deixando David de certa forma, de ser um vilão dúbio. Mas também adora super-heróis, nomeadamente elegendo o Homem-Aranha como seu favorito.
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| Afonso Laginha |
Na música tem vários talentos e gostaria de ter uma banda de covers, mas os seus "heróis" passam pelos Clã e invariavelmente Manuela Azevedo e, claro, Manel Cruz que, em tom de piada, "trocaria" de bom grado por uma viagem que já fez ao Japão. Afonso gosta, de facto, de viajar, gostava de ir à Grécia, destaca Itália e gostaria de passar algumas temporadas em Nova Iorque e Los Angeles.
Afonso apesar de se considerar "preguiçoso" e até meio "caótico", por vezes nem o seu próprio quarto arruma contrariando a velha máxima do psicólogo canadiano Jordan Peterson de que "devemos arrumar o nosso quarto" tem um grande compromisso e obsessão com o trabalho. E vive com 7 pessoas em Londres, encarando mais a ideia de "arrumação interna" do que a redução ao exterior. E nesse sentido, Afonso parece ter a âncora que necessita para domesticar o tal aparente caos. Revelou-nos, de forma curiosa, ainda, que usa uma aplicação no telemóvel para fazer listas relacionadas com o trabalho e filmes em geral. Trocaram-se títulos, entre os quais "A Dangerous Method" de David Cronenberg que numa bonita sincronicidade já constava na lista de Afonso.
Relativamente às críticas: considera-as sempre construtivas, sendo bom o feedback e valoriza particularmente aquelas que acrescentam algo para melhorar. No entanto, muitas delas podem ser más em termos de autorictas para o espectador, por exemplo, há que dar espaço para o espectador ter o seu próprio sentido crítico.
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| Afonso Laginha |
Afonso adoraria saber mais sobre Filosofia e Psicologia, mas neste momento está a debruçar-se sobre leituras bastante focadas em "Acting". No entanto andou a ler "Dune" numa cómica coincidência e nova comparação a Timothée Chalamet.
É definitivamente uma pessoa que prefere gatos (pela personalidade) e tem um: o Morgan.
No que toca a questões religiosas considera-se entre o ateu e o agnóstico e acabámos por discutir que o que vemos no exterior pode ser sempre, apesar de inexplicável, uma inevitável projecção interna, por isso e nas suas próprias palavras, "convém não ter muitas esperanças", afirmou Afonso entre sorrisos.
Falámos ainda da importância da cultura e da sua relação severa com o poder político e do seu papel e importância na saúde mental e até física, não fosse um dos seus "guilty pleasures" analisar pessoas no comboio e imaginar as suas vidas.
As suas comidas favoritas são canelones e lasanha pois era o que a mãe lhe fazia em criança.
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| Afonso a partir de Londres |
Afonso gosta e representa a tal ideia supra-mencionada de masculinidade redimensionada.
Relativamente a métodos demonstra uma grande curiosidade pela técnica de Meisner e esteve para fazer formação nessa área que infelizmente teve que cancelar, mas estará logicamente no seu caminho, bem como o método Strasberg ou simplesmente O Método.
Afonso representa e tem tudo para ser um dos melhores actores (sendo que já o é) da sua geração e afirma que a melhor atitude é mesmo ter prazer no trabalho e importarmo-nos pouco com o peso das coisas. Afonso corporaliza leveza e juventude, entre o inocente e o eloquente, entre o descontraído e com toda a rebeldia no sítio certo com cabeça e no coração.
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| David (Afonso Laginha) na série "Cavsa Própria" |